Contar uma boa história exige mais do que uma trama bem pensada: é preciso manter o público envolvido, apresentar as informações com clareza e conduzir o leitor ou espectador rumo a um desfecho que valha o tempo investido. Uma das técnicas mais conhecidas para isso é o ciclo de tentativa e erro, no qual o herói fracassa várias vezes antes de finalmente alcançar seu objetivo. Esses obstáculos tornam a conquista final mais valiosa e geram a sensação de recompensa em quem acompanha a jornada.
Um exemplo clássico surge na recorrente questão sobre as águias em O Senhor dos Anéis: por que Gandalf não resolve tudo pedindo auxílio a elas para encurtar a missão da Sociedade do Anel? Na obra de Tolkien, as águias possuem sua própria vontade e não são meros “táxis” à disposição dos personagens. Apesar de terem virado meme entre os fãs, usá-las como atalho seria incoerente na trama de Frodo, Aragorn, Legolas, Gimli e companhia. Sem as muitas tentativas frustradas, como a travessia malfadada de Caradhras e a derrota e “morte” de Gandalf em Moria, a história jamais alcançaria seu tom épico. Cada fracasso obriga a novas estratégias e contribui para o crescimento dos personagens — e a volta de Gandalf como “O Branco” é um ponto de virada que mantém o público cativado até o fim.
Essa reflexão ilustra o quanto o ciclo de tentativa e erro é essencial para dar consistência, força e profundidade a uma história, criando momentos memoraveis e recompensadores para o público.
Seguindo esse raciocínio, dá para traçar um paralelo entre o retorno de D’Angelo Russell ao Nets e a lógica dos ciclos de tentativa e erro? Talvez não de modo tão direto, mas a trajetória dele — marcada por fracassos e recomeços — me levou a escrever sobre essa troca sob uma ótica mais pessoal, refletindo meu próprio envolvimento ao acompanhar sua carreira. Afinal, boas narrativas — e seus ciclos de tentativa e erro — costumam trazer recompensas proporcionais aos desafios enfrentados.
Meu primeiro capitulo acompanhando a história do D’lo
Minha admiração por D’Lo vai além do que ele já produziu na NBA. Quando comecei a criar o JotaPatch, lá nos longínquos anos de 2012–2013 para o Xbox 360, precisei explorar mais do que apenas o cenário profissional: mergulhei no basquete universitário e, logo depois, nos prospectos do ensino médio. Foi então que cruzei com a Montverde Academy — uma das potências de recrutamento dos Estados Unidos na época — onde jogava Ben Simmons (o “protegido do Bandeja de 3”) e, ao lado dele, um armador em ascensão: D’Angelo Russell, então comparado ao novato sensação Damian Lillard.
Meu primeiro contato com análises de prospectos, vídeos de highlights e todo o conteúdo do Draft Express fez nascer um apreço especial por aquela geração do high school. Quando D’Lo ingressou na NBA, passei a vivenciar meu próprio ciclo de tentativa e erro no basquete — algo que me envolveu ainda mais com a liga, extrapolando a simples torcida por um time (Na época, assistir NBA ainda era algo em que fazia apenas para acompanhar o San Antonio Spurs).
Sobrevivendo ao pós-Kobe
D’Angelo Russell iniciou a carreira em um dos ambientes mais caóticos que já testemunhei na NBA: o Lakers do pós-Kobe. O time vivia um período de transição e quase não havia estrutura para desenvolver talentos. Nesse cenário confuso, aconteceu o primeiro grande erro de D’Lo: a polêmica envolvendo Nick Young e Iggy Azalea, vazada pelo próprio armador via Snapchat.
Lembro de ouvir um episódio do podcast Bola Presa na época em que o Denis ou o Danilo decretavam o fim da carreira de Russell. Para mim, que apostava tanto em seu potencial, foi angustiante pensar que aquele talento que eu “descobrira” pudesse encerrar a trajetória profissional de modo tão precoce.
A mudança para o Nets e o primeiro grande passo
Mas a história seguiu. Com a chegada de Lonzo Ball, D’Lo perdeu espaço nos Lakers e foi trocado para o Brooklyn Nets — na época, o time menos promissor da liga. Ali, em meio a um elenco sem grandes expectativas, ele finalmente pôde desenvolver seu jogo, tornando-se peça fundamental em uma das reconstruções mais eficientes que já vi. O Nets, então carente de talento, encontrou na coletividade um caminho sólido e consistente, transformando jogadores subestimados em boas surpresas.
A temporada 2018–19 foi espetacular para a franquia e para o armador: superando todas as previsões, o Nets se classificou para os playoffs, e D’Lo recebeu sua primeira convocação para o All-Star Game. Parecia que, enfim, a recompensa chegaria para quem, como eu, acompanhava sua trajetória desde o high school.
Turbulências (quase) sem fim
Entretanto, Kevin Durant e Kyrie Irving decidiram se unir em Brooklyn, exigindo espaço na folha salarial. D’Lo, então, precisou partir rumo ao Golden State Warriors, e começou uma enorme repetição do ciclo de tentativa e erro, em que vou resumir de forma breve:
- Tentativa: entrar na maior dinastia recente da NBA, no vácuo deixado por Durant.
- Erro: com lesões no elenco e falta de entrosamento, o Warriors protagonizou uma de suas piores campanhas, e D’Lo foi alvo de inúmeras críticas.
- Tentativa: troca para o Minnesota Timberwolves, juntando-se ao amigo Karl-Anthony Towns como principal criador de jogadas.
- Erro: a ascensão de Anthony Edwards e a chegada de Rudy Gobert minaram seu papel, e ele foi novamente trocado.
- Tentativa: retorno aos Lakers, dessa vez ao lado de LeBron James e Anthony Davis, para tentar integrar um elenco contender.
- Erro: apesar de alguns bons jogos, ele não correspondeu às expectativas nos playoffs e perdeu de vez o status de estrela em ascensão.
Quando tropeços se repetem, a narrativa pode perder força: poucas histórias sobrevivem a tantas guinadas, e nem todo mundo é Tolkien. No caso de D’Lo, tantas voltas e reviravoltas acabaram desgastando parte do encanto que o cercava no início — deixando a impressão de que seu enredo talvez não alcance uma conclusão verdadeiramente épica.
Ainda assim, ele conquistou mais um capítulo justamente onde mais brilhou: o Nets, que também encarou altos e baixos bem intensos nos últimos anos.
O Nets formado por Irving, Durant, Harden e Ben Simmons, aliás, é um ótimo exemplo para explorarmos outra técnica fundamental na construção de narrativas: o cliffhanger. Mas isso já rende assunto para outro texto — ou, quem sabe, até um podcast. Se você quer ver mais sobre essa fase do Nets sob esse ponto de vista, comenta aqui pra eu saber!
O retorno ao Nets: última tentativa?
Não espero mais que D’Angelo Russell se transforme na superestrela que um dia imaginei — afinal, hoje já olho para o basquete com um ceticismo inevitável, depois de ver tantos outros talentos que pareciam promissores acabarem se perdendo pelo caminho. Aquele podcast do Bola Presa que quase me deixou em desespero, agora percebo perfeitamente o que eles queriam dizer na época. Ainda assim, não deixo de nutrir um mínimo de esperança de que esse retorno ao Brooklyn Nets.
Ver D’Lo retornando ao lugar em que viveu seu melhor momento reacende uma fagulha de empolgação em mim — mesmo que eu saiba, hoje, que a vida real nem sempre oferece finais tão gloriosos quanto as melhores histórias de ficção. Ainda assim, não consigo deixar de torcer para que, nesse novo ato, ele escreva um desfecho que finalmente faça jus a toda a montanha-russa que foi sua carreira até agora. E aí, quem sabe, a pergunta mais recorrente do basquete volte a ecoar: será que agora, finalmente, vai?